Caetano Veloso, Carlinhos Brown, Maria Bethania - O Navio Negreiro (Excerto)

O Navio Negreiro
'Stamos em pleno mar
Era um sonho dantesco o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho
Em sangue a se banhar
Tinir de ferros estalar do acoite
Legioes de homens negros como a noite
Horrendos a dancar
Negras mulheres, suspendendo as tetas
Magras criancas, cujas bocas pretas
Rega o sangue das maes
Outras, mocas mas nuas, espantadas
No turbilhao de espectros arrastadas
Em ansia e magoa vas
E ri se a orquestra, ironica, estridente
E da ronda fantastica a serpente
Faz doudas espirais
Se o velho arqueja se no chao resvala
Ouvem se gritos o chicote estala
E voam mais e mais
Presa dos elos de uma so cadeia
A multidao faminta cambaleia
E chora e danca ali
Um de raiva delira, outro enlouquece
Outro, que de martirios embrutece
Cantando, geme e ri
No entanto o capitao manda a manobra
E apos, fitando o ceu que se desdobra
Tao puro sobre o mar
Diz do fumo entre os densos nevoeiros
Vibrai rijo o chicote, marinheiros
Fazei os mais dancar
E ri se a orquestra ironica, estridente
E da ronda fantastica a serpente
Faz doudas espirais
Qual num sonho dantesco as sombras voam
Gritos, ais, maldicoes, preces ressoam
E ri se Satanaz
Senhor Deus dos desgracados
Dizei me vos, Senhor Deus
Se e loucura se e verdade
Tanto horror perante os ceus
o mar, por que nao apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrao
Astros noite tempestades
Rolai das imensidades
Varrei os mares, tufao
Quem sao estes desgracados
Que nao encontram em vos
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a furia do algoz
Quem sao Se a estrela se cala
Se a vaga a pressa resvala
Como um cumplice fugaz
Perante a noite confusa
Dize o tu, severa musa
Musa liberrima, audaz
Sao os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus
Sao os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidao
Homens simples, fortes, bravos
Hoje miseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razao
Sao mulheres desgracadas
Como Agar o foi tambem
Que sedentas, alquebradas
De longe bem longe vem
Trazendo com tibios passos
Filhos e algemas nos bracos
N'alma lagrimas e fel
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite do pranto
Tem que dar para Ismael
La nas areias infindas
Das palmeiras no pais
Nasceram criancas lindas
Viveram mocas gentis
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos veus
Adeus o choca do monte
Adeus palmeiras da fonte
Adeus amores adeus
Senhor Deus dos desgracados
Dizei me vos, Senhor Deus
Se eu deliro ou se e verdade
Tanto horror perante os ceus
o mar, por que nao apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrao
Astros noite tempestades
Rolai das imensidades
Varrei os mares, tufao
E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infamia e cobardia
E deixa a transformar se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria
Meu Deus meu Deus mas que bandeira e esta
Que impudente na gavea tripudia
Silencio Musa chora, chora tanto
Que o pavilhao se lave no seu pranto
Auriverde pendao de minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balanca
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperanca
Tu, que da liberdade apos a guerra
Foste hasteado dos herois na lanca
Antes te houvessem roto na batalha
Que servires a um povo de mortalha
Fatalidade atroz que a mente esmaga
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga
Como um iris no pelago profundo
Mas e infamia demais
Da eterea plaga
Levantai vos, herois do Novo Mundo
Andrada arranca este pendao dos ares
Colombo fecha a porta de teus mares
O Navio Negreiro
'Stamos em pleno mar
Era um sonho dantesco o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho
Em sangue a se banhar
Tinir de ferros estalar do acoite
Legioes de homens negros como a noite
Horrendos a dancar
Negras mulheres, suspendendo as tetas
Magras criancas, cujas bocas pretas
Rega o sangue das maes
Outras, mocas mas nuas, espantadas
No turbilhao de espectros arrastadas
Em ansia e magoa vas
E ri se a orquestra, ironica, estridente
E da ronda fantastica a serpente
Faz doudas espirais
Se o velho arqueja se no chao resvala
Ouvem se gritos o chicote estala
E voam mais e mais
Presa dos elos de uma so cadeia
A multidao faminta cambaleia
E chora e danca ali
Um de raiva delira, outro enlouquece
Outro, que de martirios embrutece
Cantando, geme e ri
No entanto o capitao manda a manobra
E apos, fitando o ceu que se desdobra
Tao puro sobre o mar
Diz do fumo entre os densos nevoeiros
Vibrai rijo o chicote, marinheiros
Fazei os mais dancar
E ri se a orquestra ironica, estridente
E da ronda fantastica a serpente
Faz doudas espirais
Qual num sonho dantesco as sombras voam
Gritos, ais, maldicoes, preces ressoam
E ri se Satanaz
Senhor Deus dos desgracados
Dizei me vos, Senhor Deus
Se e loucura se e verdade
Tanto horror perante os ceus
o mar, por que nao apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrao
Astros noite tempestades
Rolai das imensidades
Varrei os mares, tufao
Quem sao estes desgracados
Que nao encontram em vos
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a furia do algoz
Quem sao Se a estrela se cala
Se a vaga a pressa resvala
Como um cumplice fugaz
Perante a noite confusa
Dize o tu, severa musa
Musa liberrima, audaz
Sao os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus
Sao os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidao
Homens simples, fortes, bravos
Hoje miseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razao
Sao mulheres desgracadas
Como Agar o foi tambem
Que sedentas, alquebradas
De longe bem longe vem
Trazendo com tibios passos
Filhos e algemas nos bracos
N'alma lagrimas e fel
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite do pranto
Tem que dar para Ismael
La nas areias infindas
Das palmeiras no pais
Nasceram criancas lindas
Viveram mocas gentis
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos veus
Adeus o choca do monte
Adeus palmeiras da fonte
Adeus amores adeus
Senhor Deus dos desgracados
Dizei me vos, Senhor Deus
Se eu deliro ou se e verdade
Tanto horror perante os ceus
o mar, por que nao apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrao
Astros noite tempestades
Rolai das imensidades
Varrei os mares, tufao
E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infamia e cobardia
E deixa a transformar se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria
Meu Deus meu Deus mas que bandeira e esta
Que impudente na gavea tripudia
Silencio Musa chora, chora tanto
Que o pavilhao se lave no seu pranto
Auriverde pendao de minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balanca
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperanca
Tu, que da liberdade apos a guerra
Foste hasteado dos herois na lanca
Antes te houvessem roto na batalha
Que servires a um povo de mortalha
Fatalidade atroz que a mente esmaga
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga
Como um iris no pelago profundo
Mas e infamia demais
Da eterea plaga
Levantai vos, herois do Novo Mundo
Andrada arranca este pendao dos ares
Colombo fecha a porta de teus mares
O Navio Negreiro - Caetano Veloso & Mª Bethânia

Poema do período abolicionista feito por Castro Alves e reproduzido por Caetano Veloso e Mª Bethânia.

Variação linguística - "Língua (além-mar)"

Copyright: Music (sound recording): Bastiana - Coral Dinamene - Believe - Tradisom, Lda; Music (sound recording): S.S.P. - S.S.P. - The Orchard Music ...

Caetano Veloso, Carlinhos Brown, Maria Bethania